3/01/2006

Nesta época, quando temos que correr ligeiro para mantermos o passo com a velocidade com que nossas liberdades estão sendo arrancadas de nós, e quando poucos podem se dar ao luxo de se ausentarem das ruas por algum tempo, para poderem retornar com uma primorosa e totalmente formada tese política, repleta de notas de rodapé e referências, que contribuição significativa posso oferecer-lhes nesta noite?
Enquanto somos emboscados de uma crise a outra, transmitidas diretamente a nossos cérebros pela TV via satélite, precisamos pensar com os pés no chão. Mesmo enquanto estamos a caminho. Entramos nas histórias através dos destroços de guerra. Cidades arruinadas, campos ressecados, florestas encolhidas e rios agonizantes são nossos arquivos. Crateras deixadas pela bombas de fragmentação, nossas bibliotecas.
Então, o que posso oferecer esta noite? Alguns pensamentos pouco confortadores sobre dinheiro, guerra, império, racismo e democracia. Algumas preocupações que esvoaçam em torno da minha cabeça, como uma família de mariposas persistentes que me deixam acordada de noite.
Alguns de vocês acharão de mau gosto, para uma pessoa como eu, que ingressou oficialmente no Grande Livro da Nações Modernas, como "cidadã da Índia", vir aqui para criticar o governo dos EUA. Falando por mim mesma, não carrego qualquer bandeira, nenhum patriotismo, e estou plenamente consciente de que a venalidade, a brutalidade e a hipocrisia estão impressas nas almas de chumbo de cada estado. Mas quando um país cessa de ser meramente um país e se torna um império, então a escala de operações muda drasticamente. Portanto, gostaria de explicar que esta noite falo como sujeito do Império Americano. Falo como o escravo que presume criticar seu rei.
Como as conferências precisam ter um título, a minha, nesta noite, chama-se: Democracia Imperial — Mistura Instantânea (Compre Uma, Leve Duas) [Instant-Mix Imperial Democracy (Buy One, Get One Free)].
Em 1988, no dia 3 de julho, o U.S.S. Vincennes, porta-mísseis estacionado no Golfo Pérsico, atirou acidentalmente contra um avião iraniano, matando 290 passageiros civis. George Bush o Primeiro, que na época estava em plena campanha presidencial, foi solicitado a comentar sobre o incidente. Ele disse, sutilmente: "Eu nunca vou pedir desculpas pelos Estados Unidos. Seja quais forem os fatos."
Seja quais forem os fatos. Que máxima perfeita para o Novo Império Americano. Talvez uma pequena variação no tema seja mais pertinente: Os fatos podem ser aqueles que nós queiramos que sejam.
Quando os Estados Unidos invadiram o Iraque, uma sondagem do New York Times/CBS News estimou que 42 por cento do público americano acreditava que Saddam Hussein era diretamente responsável pelos ataques do 11 de setembro no World Trade Center e no Pentágono. E uma pesquisa da ABC News revelou que 55 por cento dos americanos acreditavam que Saddam Hussein patrocinava diretamente o grupo Al Qaida. Nenhuma dessas opiniões se baseia em qualquer evidência (porque não há nenhuma). Tudo isso se baseia em insinuações, em auto-sugestão e em puras e simples mentiras circuladas nos EUA pela mídia corporativa, conhecida também como "Imprensa Livre", aquele pilar oco sobre o qual repousa a democracia estadunidense.
O apoio público à guerra dos EUA contra o Iraque foi baseado num edifício de múltiplos andares de falsidade e engano, coordenados pelo governo dos EUA e fielmente amplificado pela mídia corporativa.
Além da relação inventada entre o Iraque e a Al Qaida, tivemos o frenesi manufaturado sobre as Armas de Destruição em Massa do Iraque. George Bush o Menor chegou ao ponto de dizer que seria "suicídio" para os EUA não atacar o Iraque. Mais uma vez, testemunhamos a paranóia de que um país esfomeado, bombardeado e assediado estava prestes a aniquilar a toda-poderosa América. (O Iraque foi somente o último, numa sucessão de países — precedido por Cuba, Nicarágua, Líbia, Granada e Panamá.) Mas dessa vez não foi só a marca mais comum do bom e velho frenesi. Tratou-se de Delírio com um Propósito. Anunciando uma velha doutrina numa nova garrafa: a Doutrina dos Ataques Preventivos, ou seja, Os Estados Unidos Podem Fazer o Diabo que Quiserem, E Isso É Oficial.
A guerra contra o Iraque foi combatida e vencida e nenhuma Arma de Destruição em Massa foi encontrada. Nem mesmo umazinha só. Talvez elas precisem serem plantadas antes de serem descobertas. E então, o mais chato entre nós precisará de uma explicação sobre porque Saddam Hussein não as usou, quando o seu país estava sendo invadido.
É claro, não haverá qualquer resposta. Aos Verdadeiros Crentes serão suficientes aqueles informes distorcidos da TV sobre a descoberta de uns poucos barris de produtos químicos banidos, dentro de um velho barracão. E o ‘parece ainda não haver qualquer consenso sobre o fato deles terem sido mesmo banidos’ e o ‘se os recipientes que os continham podem ser efetivamente chamados barris’. (Houve rumores ainda não confirmados de que uma colher de chá com permanganato de potássio e uma velha harmônica também foram encontrados dentro do mesmo barraco…)
o novo guerreiro

1 Comments:

At 2/3/06 10:02, Blogger Unknown said...

Gostei da imagem e da mudança editorial do INFOCALIPO!

Abraço!

 

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