10/29/2005

Taxi


Era uma vez um alentejano de uma terriola perto de Beja que, há muitos anos, veio fazer a tropa na terra do Bocage, e nunca mais quis regressar ao ‘quartel-general’ da azeitona e da azinheira. Gostou de Setúbal. Da gente. Habituou-se. Durante sete anos foi funcionário da Rodoviária. Depois fartou-se de trabalhar para os outros e apeteceu-lhe ser patrão. Juntou as economias e comprou um táxi. É taxista há 27 anos e com muita honra. É verdade. O rosto incha de vaidade pura. A mão larga a janela e agarra o volante para reforçar o calendário profissional. É uma contradição insólita, mas indubitável: Setúbal, uma cidade milionária em peixe, tem uma folgada percentagem de pobreza. A natureza é amiga do peito, e a vida, para alguns, tem sido madrasta. É verdade. E quem julga que ser taxista num sítio em que a pobreza é, infelizmente, uma visita assídua, é sinónimo de pouca clientela, está redondamente enganado. Até pode compensar mais do que se fosse numa cidade com maior movimento. Só existem 50 táxis, começa logo por aí. O "aí" é um derivado da bem-vinda escassa concorrência. Quanto menos a circularem em Setúbal, melhor. Assim, o trabalho roda e dá para todos. "Repare menina, repare" aqui e em todo o lado, o poder de compra anda pela hora da morte, e em consequência desta triste evidência, as pessoas preferem não ter encargos fixos mensais, e não compram carros. Um automóvel abarca despesas. É verdade. Não lhes sobra outra alternativa senão recorrerem aos transportes. Ok, Ok. Reparei. Reparo. Mas apesar da ‘verdade’, espere um segundo...se não há dinheiro para o robalo escalado, haverá para andar de táxi? "Menina, menina", e os sacrifícios, o estúpido do cansaço, os pés inchados, os sacos que não cabem nas mãos, às tantas, o ser humano não aguenta e entra no táxi. É verdade. E também é verdade que o negócio desceu, e que a crise permanece chapada nas caras, mas, tudo podia estar pior. A bendita e santa e imaculada imigração que chegou a Setúbal tem contribuído, e bastante, para dias mais felizes. A "brasileirada", os ucranianos, os russos, lá na terra deles ganhavam mal. Aqui também, mas comparando com o ordenado que recebiam não é uma lotaria, mas é uma aproximação. São os imigrantes que lá vão indo de táxi para ali e para acolá. E quando a noite aterra, só se querem divertir. Lá vão de táxi para as discotecas. Graças a Deus que gostam da paródia. Graças a Deus que vão de táxi. É verdade. De táxi. Lá vão indo.


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