4/14/2007



Enfrentando a Crise das Alterações Climáticas
Políticos e companhias petrolíferas estão a saltar para a carruagem verde, mas eles não têm soluções para uma crise que está enraizada no capitalismo.



Neste mês foi-nos dado a ver o bizarro espectáculo de George Bush e Stephen Harper cada um deles a declarar a sua profunda preocupação sobre o “sério desafio das alterações climáticas globais.” O presidente dos EUA e o primeiro-ministro do Canadá, ambos oponentes, há muito, de alguma acção para limitar os gases do efeito de estufa, querem agora que acreditemos que salvar o ambiente passou a ser a principal prioridade dos seus governos.

Verdadeiramente, a hipocrisia dos políticos capitalistas não tem fronteiras. Eles e os seus donos corporativos querem evitar acções sobre as alterações climáticas, e têm vindo a fazer isso há já muitos anos. A sua avidez em se vestirem com um inapropriado verde tem tudo a ver com relações públicas e nada a ver com salvar a Terra.

Negando a Ciência

Cientistas bem informados concordam que a mudança climática é real, e que a causa principal é o uso de combustíveis fósseis, especialmente o petróleo, o gás e o carvão. A Terra está hoje em dia significativamente mais quente do que estava há algumas décadas atrás, e a taxa de crescimento está a acelerar. Se não a paramos, no final deste século a Terra estará mais quente do que alguma vez esteve, desde que os humanos começaram a caminhar sobre o planeta.
Descontrolado, isto terá impactos catastróficos sobre a vida humana, animal e das plantas. As colheitas irão diminuir drasticamente, levando a fome a uma escala mais alargada. Centenas de milhões de pessoas serão deslocadas pela seca nalgumas regiões, e pela subida do nível do mar noutras regiões. São prováveis, epidemias de malária e de cólera. O impacto afectará mais a Ásia, África e América Latina – cujas populações já foram muitas vezes fustigadas pelo imperialismo.
Mas isto não impediu que as corporações e os políticos reclamassem que não têm informação suficiente para decidir se o problema existe ou não, quanto mais o que fazer sobre ele. As suas negações têm sido apoiadas por um bando de negadores das alterações climáticas, que são frequentemente citados nos meios de comunicação nas reportagens sobre o assunto.
Um relatório recente da “Union of Concerned Scientists” [União dos Cientistas Preocupados] revela que a aparentemente grande rede de negadores, é de facto uma mão cheia de pessoas que parecem ser mais porque trabalham para até 30 organizações. A ExxonMobil, a maior empresa do mundo publicamente negociada, tem sido o apoio financeiro de todos esses grupos – pagou-lhes milhões para haver uma “incerteza do produtor” sobre a alteração do clima.
Sem coincidências, a ExxonMobil é a maior empresa produtora individual de gases do efeito de estufa. Se a ExxonMobil fosse um país, seria a sexta maior fonte de emissões.
Entretanto, outras agências corporativas e governamentais têm estado a trabalhar para desviar a atenção das corporações poluidoras para os indivíduos. Culpam as pessoas individualmente por não reduzirem, não conduzirem menos, não isolarem as suas casas e não usarem lâmpadas de baixo consumo. A campanha “One-Tonne Challenge” [Desafio de uma Tonelada] do governo canadiano, e a imposição da “Congestion Charge” [Taxa de Congestionamento] sobre os utilizadores dos automóveis em Londres, Inglaterra, são exemplo disso: ambos dizem que as pessoas individualmente são as culpadas e quem deve pagar o custo da limpeza da atmosfera.
Obviamente que a conservação é importante. Mas enquanto os gigantes dos combustíveis fósseis continuarem o negócio da mesma forma, os esforços individuais terão um impacto muito pequeno.


A Era da “Lavagem Verde”

Negar a mudança climática e culpar as pessoas individualmente tem funcionado bem até agora, mas tais tácticas estão a perder efeito.
As evidências científicas do aquecimento global são cada vez mais poderosas. A 2 de Fevereiro, o Painel Intergovernamental sobre a Alteração Climática, patrocinado pela ONU, irá divulgar um grande relatório sobre as suas causas. Jornalistas que tiveram acesso a alguns excertos do relatório dizem que ele confirma que o grande aquecimento global desde 1950 tem sido causado por gases com efeito de estufa produzidos por acção do homem, e avisa que o aquecimento nos próximos 25 anos será duas vezes maior do que no século passado.
Em geral, apesar da confusão e desinformação, a preocupação pública sobre a mudança climática está a aumentar. Eleitores e consumidores querem acção: sondagens mostram que o ambiente já ultrapassou os cuidados de saúde como preocupação número um dos eleitores canadianos.
É por isso que George Bush e Stephen Harper estão agora ostensivamente a saltar para a carruagem verde e a tentar tomar as rédeas. É por isso que Bush se sentiu forçado a mencionar o aquecimento global na sua mensagem sobre o Estado da União.
Até a ExxonMobil está ao seu lado: a companhia diz que deixou de financiar grupos de negadores-da-mudança-climática, e os seus executivos estão a reunir com grupos ambientalistas para discutir propostas de regulação das emissões de gases do efeito de estufa.
Stephane Dion, recentemente escolhido para liderar o Partido Liberal do Canadá, está a marcar o passo dos políticos. Enquanto era Ministro do Ambiente, Dion não fez nada para impedir que as emissões de gases com efeito de estufa no Canadá aumentassem 30%. Agora que é o líder da Oposição Oficial, ele diz que vai fazer do ambiente a sua máxima prioridade, se ganhar as próximas eleições federais.
A real posição de Dion sobre a diminuição das emissões de gases foi revelada na sua resposta à expansão do projecto das Areias Betuminosas de Alberta. Extrair petróleo a partir dessas lamas gera duas vezes e meia mais gases do efeito de estufa do que a produção convencional de petróleo. O projecto das Areias Betuminosas de Alberta é a maior causa singular do aumento drástico das emissões do Canadá, desde que o país assinou o Acordo de Quioto. Mas quando questionado em Maio de 2005, sobre o que faria acerca este assunto, Dion lamentou: “Não há nenhum ministro do ambiente no mundo que consiga fazer com que isto não avance, porque há muito dinheiro envolvido.”
É assim que as coisas funcionam na Era da “Lavagem Verde” – muita conversa sobre as alterações climáticas, mas nenhuma acção que interfira com o direito inalienável das corporações em ganharem dinheiro. Os lucros estão sempre à frente, independentemente da verdura que os políticos capitalistas digam ter.


Direitos de Poluição à Venda

De facto, há grandes esforços em curso para convencer aqueles que estão preocupados com o clima, que a solução é aumentar os lucros dos poluidores.
No ano passado, o governo britânico nomeou o conhecido economista Nicholas Stern para estudar o problema da mudança climática. O seu relatório identificou a fonte do problema: “As emissões de gases do efeito de estufa são uma externalidade; por outras palavras, as nossas emissões afectam a vida de outros. Quando as pessoas não sofrem as consequências dos seus actos temos um fracasso do mercado. Este é o maior fracasso que o mundo já viu.”
“Externalidade” é um termo que os economistas capitalistas usam quando as corporações capitalistas não pagam os danos que causam. A poluição é um exemplo perfeito – as corporações poluem individualmente mas a sociedade como um todo carrega os custos. A mão invisível de Adam Smith, que supostamente assegura o melhor de todos os mundos possíveis, não funciona nas externalidades.
Alguns observadores ingénuos poderão concluir que isto significa que temos de deixar de confiar nos mercados, mas não Nicolas Stern, nem a maior parte dos fazedores de políticas. A sua solução para o fracasso do mercado é: criar mais mercados!
A “solução do mercado” para as alterações climáticas que tem sido mais proposta – a que está embutida no Protocolo de Quioto – é a de definir objectivos para a redução de emissões, a depois atribuir um valor monetário ao direito de poluir.
Se uma corporação considerar que fica muito caro reduzir as emissões, pode comprar créditos de poluição a uma outra companhia, ou pode financiar projectos verdes no Terceiro Mundo. A Ontario Hydro, por exemplo, poderá continuar a usar as suas centrais de energia alimentadas a carvão desde que plante árvores suficientes na Índia ou no Brasil.
George Monibot comparou isto à prática medieval da venda de indulgências. Se fosses rico e cometesses um homicídio ou praticasses incesto ou o que fosse, a Igreja vendia-te o perdão a um preço fixo por pecado. Não precisavas de deixar de pecar – desde que pagasses o preço, a Igreja garantia a tua entrada no paraíso.
O esquema do negócio das emissões ainda é pior do que isto. É como se a Igreja desse a cada pecador um lote de cartas “Você Está Livre do Inferno” – e aqueles que não pecarem que chegue para as gastar, podem vendê-las aos outros que queiram pecar mais.
“O Negócio do Carbono”, um relatório publicado pela Fundação Sweden’s Dag Hammerskold, mostra que para além desse negócio das emissões não funcionar, ainda está a piorar as coisas, ao adiar as acções necessárias para a redução das emissões das grandes empresas causadoras. Para além disso, como não há nenhum método prático de medição dos resultados do negócio de emissões, todo o processo está sujeito a grandes fraudes. O comércio de emissões produziu grandes benesses para os poluidores - aumentou instantaneamente os seus activos, e faz pouco para reduzir as emissões.
Outra abordagem feita “pelo mercado” propõe colectar impostos aplicados às emissões corporativas de gases com efeito de estufa. Mas se as “taxas de carbono” forem muito baixas, não impedem as emissões – e se forem suficientemente altas, as corporações irão mudar as suas operações para outros países que não interfiram com o seu negócio. Em qualquer dos casos, é muito pouco provável que os políticos capitalistas imponham taxas que obriguem as suas corporações aliadas a mudanças reais.
Como sublinhou o escritor australiano Dick Nichols, qualquer um que argumente que as alterações do mercado compensam as alterações do clima, tem de responder a algumas questões difíceis:
“Adoptar o capitalismo – independentemente de quão verde é o rótulo – coloca os ambientalistas pró-mercado numa situação de difícil defesa. Eles têm de explicar exactamente como é que um sistema, que consumiu mais recursos e energia nos últimos 50 anos do que qualquer outra civilização, pode ser estabilizado e posteriormente ver reduzida a sua taxa de consumo de recursos e emissão de poluentes. Como é que este sistema económico monstruosamente desperdiçador, venenoso, e desigual pode realmente ser alterado de forma a introduzir tecnologias, padrões de consumo e uma radical redistribuição dos rendimentos, sem as quais toda a conversa de sustentabilidade é apenas uma piada?” (Environment, Capitalism, and Socialism).


Sem Solução Capitalista

Qualquer pessoa sensata terá eventualmente de questionar porque é que os capitalistas e os seus governos procuram evitar acções eficientes sobre a mudança climática. Todos, incluindo capitalistas e políticos, serão afectados. Nicholas Stern estima que a economia mundial irá diminuir 20% se não agirmos. Então porque é que as pessoas no poder não estão a fazer nada?
A resposta é que o problema está enraizado na verdadeira natureza da sociedade capitalista, que é constituída por milhares de corporações, todas competindo por investimento e por lucros. Não há uma “preocupação social” no capitalismo – há apenas milhares de interesses separados que competem uns com os outros.
Se uma empresa decidir investir fortemente na redução de emissões, os seus lucros irão descer. Os investidores vão transferir o seu capital para investimentos mais lucrativos. Eventualmente, a empresa verde irá sair de circulação.
A lei fundamental do capitalismo é “Cresce ou Morre”. Um crescimento anárquico, não planeado, não é um acidente, ou uma externalidade. É a natureza do monstro.
Especialistas acreditam que para estabilizar o clima será necessária uma redução de 70%, ou mais, das emissões de CO2 nos próximos 20 a 30 anos – e isso requer uma redução radical do uso de combustíveis fósseis. Há pelo menos três grandes barreiras que impedem o capitalismo de atingir esse objectivo:

▪ Passar dos combustíveis fósseis para outras fontes de energia vai requerer grandes despesas. No curto prazo, este será um investimento não lucrativo, numa economia que não consegue funcionar sem o lucro.

▪ As reduções de CO2 têm de ser globais. O ar e a água não param nas fronteiras. Enquanto o capitalismo permanecer como o sistema económico globalmente dominante, as mudanças positivas em países individuais serão minadas pelas reacções de outros países, na procura de vantagens competitivas.

▪ A mudança tem de ser geral. Ao contrário de anteriores campanhas anti-poluição que se focavam em indústrias ou químicos específicos, tais como o DDT, para parar os gases do efeito de estufa será necessário remodelar radicalmente todas as partes da economia. Uma reestruturação a tão grande escala é quase certamente impossível num esquema capitalista – e qualquer tentativa para o fazer, encontrará uma intensa resistência. Só uma economia que seja organizada para as necessidades humanas, não para o lucro, tem alguma hipótese de abrandar a mudança climática e reverter os danos que já foram feitos.
Apenas um planeamento socialista democrático pode ultrapassar os problemas causados pela anarquia capitalista.


Lutar pela Mudança

Mas isso não quer dizer que tenhamos de esperar que o socialismo desafie os poluidores. Pelo contrário, nós podemos e devemos lutar pela mudança hoje – é possível obter ganhos importantes e, construir um movimento que pare as mudanças climáticas pode ser um elemento importante na construção de um movimento pelo socialismo.
Um movimento radical contra a mudança climática pode ser construído à volta de exigências como estas:
▪ Estabelecer e forçar rápidas reduções obrigatórias nas emissões de CO2: reduções reais, não uns planos de negócio de brincadeira.
▪ Que as corporações que produzem gases de efeito de estufa, paguem o custo total da redução de emissões.
▪ Acabar com todos os subsídios à produção de combustíveis fósseis.
▪ Redireccionar os milhares de milhões que estão agora a ser gastos em guerras e dívidas, para transportes públicos, habitações auto-suficientes, gabinetes para a eficiência energética e projectos de energia renovável.
As corporações e os líderes sindicais conservadores (incluindo o outrora radical Buzz Hargrove do Sindicato Canadiano da Indústria Automóvel) jogam com o medo da perda de emprego, para convencer os trabalhadores a se oporem a acções que protegem o ambiente. Todos os apelos à reestruturação da indústria têm de ser conjugados com a oposição aos despedimentos. Os trabalhadores têm de ter acesso a nova formação e recolocação com os custos pagos pelas corporações, com total apoio dos sindicatos.
O movimento deve prestar particular atenção às necessidades do Terceiro Mundo. Como escreveu o activista ecologista Tom Athanasiou, nós temos de “poupar o Sul de qualquer obrigação em fazer uma escolha impossível entre a protecção do clima, por um lado, ou o ‘desenvolvimento’, por outro.” As pessoas do Terceiro Mundo sofreram com séculos de pobreza enquanto os seus países eram pilhados para enriquecer os poderes imperialistas. Agora, elas são as maiores vítimas da mudança climática. Estão revoltadas, e com razão, com qualquer sugestão de que deverão prosseguir um crescimento económico de forma a resolver um problema que foi criado pelos seus exploradores do Norte.
Um programa efectivo de alteração climática deverá apoiar as batalhas no Terceiro Mundo contra a dominação imperialista e a distorção das suas economias. Tem de se opor à exportação de indústrias poluentes para o sul do planeta, apoiando campanhas pela reforma agrária e por um redireccionamento da agricultura de forma a suprir as necessidades locais, não para exportar para o norte. Temos de exigir que os nossos governos ofereçam toda a assistência possível aos países do Terceiro Mundo, para que consigam implementar e desenvolver programas que sejam consistentes com os requisitos ambientais do mundo.
O exemplo de Cuba, um país pobre com recursos limitados, mostra o que pode ser feito. O WWF (World Wildlife Fund [Fundo Mundial para a Vida Selvagem]) identificou recentemente Cuba como o único país no mundo que cumpre os requisitos de um desenvolvimento sustentável. Cuba consegui isso com a sua economia a crescer mais do dobro da média da América Latina, por isso o problema não é o crescimento – é o crescimento capitalista.


A Escolha da Humanidade

Em 1918, no meio da guerra mais horrível que o mundo alguma vez vira, a grande líder socialista da Alemanha, Rosa Luxemburgo, escreveu que a escolha que se apresentava ao mundo era entre “Socialismo ou Barbárie”.
Como sabemos, o socialismo não triunfou no século XX. Em vez disso tivemos um século de guerras e genocídios – a barbárie que Rosa Luxemburgo temia.
Hoje em dia enfrentamos essa escolha de uma forma ainda mais horrível. O proeminente ambientalista norte-americano, Ross Gelbspan, coloca o assunto em termos severos:
“Uma grande descontinuidade é inevitável. A vida colectiva que nós temos vivido como espécie, durante milhares de anos, não irá continuar durante muito mais tempo. Iremos ver a estrutura da civilização a desabar sob o massacre de um clima cada vez mais instável – ou então nós vamos usar a construção de uma nova infra-estrutura global de energia para começar a forjar um novo esquema de relações globais.” (Boiling Point, pág. 17)
Gelbspan, como muitos outros ambientalistas aposta as suas esperanças em persuadir os decisores capitalistas de que acabar com a mudança climática é um “imperativo moral”. A experiência passada, e uma compreensão dos imperativos do capitalismo, mostram que essa é uma vã esperança.
Em vez disso, dando eco a Marx, Engels e Luxemburgo, nós temos de afirmar que a escolha da humanidade no século XXI é EcoSocialismo ou Barbárie. Não há uma terceira via.


Texto da autoria de Ian Angus, publicado em
http://www.socialistvoice.ca/ a 28 de Janeiro de 2007. Traduzido por Alexandre Leite.
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publicado por ini às 22:29link do post comentar adicionar aos favoritos


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