3/15/2007


Mudança Climática ou Mudança de Política?


Decorreu em Marraquexe, Marrocos (na semana de 5 a 10 de Novembro) a sétima COP (Conferência das partes) da convenção quadro das NU sobre Mudança Climática (UNFCCC). Após várias conferências (três no curso do último ano) e diversas cedências entre os representantes foi obtido um acordo que, após ratificação pelos vários países, permitirá a adopção do Protocolo de Quioto para a redução das emissões de gases de efeito de estufa.
No curso da última década confirmou-se a evidência da existência de uma acção antropogénica, isto é, devida a acção humana, a intervir na evolução do clima a nível planetário. O efeito de estufa da atmosfera, um efeito natural que permite a manutenção de uma temperatura média "confortável" à superfície da Terra, está sendo perturbado pela emissão de dióxido de carbono e de outros gases para a atmosfera, de tal modo que o efeito se intensifica e conduz à elevação média da temperatura.
O efeito é apenas evidente, mas a projecção para o futuro do incremento dessas emissões, é razão para preocupação. O modelo de modelação (não previsão!) do clima adoptado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) sugere que, na base dos cenários de crescimento das emissões (fornecidos pela Agência Internacional de Energia - AIE), os cenários de variação da temperatura média à superfície do globo exibem subidas significativas.
O sistema climático é muito complexo e longe de ser inteiramente compreendido. As acções e retroacções entre os vários componentes do sistema climático (atmosfera, oceano, calotes polares, glaciares, biosferas terrestre e marinha, crusta terrestre,...) e as escalas de tempo em que se exercem são numerosas e diversas. A formulação de cenários mais detalhados está sujeita a incertezas ainda maiores do que aquelas que se atribuem à mera subida média da temperatura, já por si incerta.
Assim, é de admitir também a subida do nível médio do mar, mas com maior margem de prudente incerteza; modelos de detalhe apontam para melhoria das condições de habitabilidade numas regiões a par do seu agravamento noutras; é de admitir, como já começa a ser perceptível, que situações meteorológicas extremas se tornarão mais frequentes (com consequente aumento de risco de catástrofes naturais).
Mas muitos fenómenos estão por aprofundar e por ser incorporados nos modelos que actualmente servem à tomada de opções políticas. No Encontro Internacional sobre Mudanças Climáticas e o Protocolo de Quioto (Évora, 15-16 de Novembro) foram expostos factores e fenómenos que põem em causa a "robustez" dos cenários "oficiais". Andre Berger revelou como a variação do clima no passado (até pelo menos 400 mil anos atrás) pode ser essencialmente modulado considerando apenas os factores astronómicos (a precessão do eixo de rotação da Terra, a oscilação da inclinação desse eixo sobre a eclíptica, a oscilação da excentricidade da órbita da Terra) e o teor atmosférico de dióxido de carbono; para concluir que a evolução natural seria agora a transição para uma nova glaciação; mas que porém o actual teor anormalmente elevado de dióxido de carbono será responsável por um longo período de estabilidade da temperatura, a menos que teores muito mais elevados a façam subir. Daniel Rosenfeld revelou como a emissão de aerossóis (fumos, poeiras, etc.) perturba o comportamento das nuvens e como estas, em consequência do aumento da poluição por aerossóis, se tornam menos eficientes na circulação atmosférica da água; para concluir que provavelmente este efeito contraria e em parte neutraliza o efeito dos gases de efeito de estufa (como o dióxido de carbono) e que, sem o efeito das emissões de aerossóis, a elevação da temperatura média seria ainda mais perceptível. Timothy Carter explanou as enormes incertezas que ainda afectam os modelos de alteração climática a nível global e particularmente a nível regional; e assinalou a notória ausência de quantificação das probalididades associadas a cada um dos cenários de alteração climática no actual relatório do IPCC.
Notar que cálculos de probalidade entretanto já efectuados conduzem a valores de perto de 5% para a probabilidade de ocorrer um aumento da temperatura média do ar superior a 5ºC, no horizonte de 100 anos, o que dá uma ideia da credibilidade dos cenários mais gravosos apresentados pelo IPCC. Outra questão da maior importância é a formulação, a partir de cenários globais, de cenários a nível regional. Nesse mesmo Encontro, João Corte Real apresentou modelos descritivos do clima em Portugal e identificou tendências decorrentes de alterações climáticas globais; as consequências diferenciam-se de norte a sul do país, com presumíveis impactos na disponibilidade de água e na conservação do solo; mas as margens de incerteza não podem ser ignoradas. Grandes margens de incerteza residem, ainda, na interacção da atmosfera com o oceano e com a crusta terrestre (e o solo) e na interacção do Sol com a Terra.
Embora o modelo que serve á formulação dos cenários do IPCC não considere estes vários fenómenos ele é todavia tomado como bom. Não nos devemos surpreender. Por um lado sabemos que têm havido sempre linhas de corrente científica "oficias", isto é, reconhecidas pelo poder político em prejuízo de outras. Não que os políticos, que financiam a investigação científica, façam opções científicas. Elas são escolhidas por poderem ser instrumentais para o exercício desse poder ou obter objectivos políticos.
Ora são os cenários ainda imperfeitos do IPCC que são adoptados para avançar com o processo de Quioto.
Existe uma evidente urgência da parte da União Europeia em que o Protocolo de Quioto seja posto em vigor. Conta com a evidência da elevação do teor de dióxido de carbono na atmosfera e com a já reconhecido elevação da temperatura média à superfície do globo, bem como a natural preocupação da opinião pública face aos "cenários" - por vezes abusivamente catastróficos - que lhes são oferecidos.
É interessante notar que os cenários do IPCC são, por sua vez, suportados nos cenários de consumo de energia e de emissão de gases de efeito de estufa da AIE. Esta faz projecções no pressuposto que os indicadores utilizados no cômputo das emissões - população, GDP per capita, intensidade energética do produto bruto e emissão por unidade de energia consumida - se mantêm no futuro. Em princípio, o Protocolo de Quioto procurará garantir que os cenários mais pessimistas de crescimento de emissões não venham a verificar-se.
À parte a grande margem de incerteza nos cenários que servem de base ao Protocolo de Quioto, a sua implementação merece sérios comentários. O termo de referência de crescimento ou decrescimento das emissões são os valores das emissões verificadas no ano 1990; os países menos evoluídos terão uma margem de crescimento de emissões limitada; o que poderá induzir o "congelamento" do seu subdesenvolvimento. É criado um "mercado" de direitos de emissão que teoricamente permitirá aos países menos desenvolvidos "exportar" quotas de emissão que não utilizem (para além das matérias primas que fornecem...). Estes mecanismos deverão, em teoria, induzir exportação de capital para os países subdesenvolvidos, em termos de maior "dignidade" e a nível superior aos actuais níveis de "auxílio" para a cooperação (embora de forma alguma alterando a respectiva capacidade de decisão sobre os seus próprios futuros). Deverão também, em teoria, induzir investimentos em produção local de energia a partir de fontes de energia renovável, quer em países desenvolvidos como subdesenvolvidos. Por outro lado, o acordo atingido exigiu sérias cedências; algumas são o reconhecimento unicamente político de certas exigências, sem fundamento cientifico aceite; uma é o caso da contabilização das área florestais como sumidouros de dióxido de carbono. Mais grave, embora também mais problemático de fundamentar, é o facto de o Protocolo ignorar a diferenciação dos impactos sobre diferentes países e regiões, em resultado do impacto climático da inexorável, ainda que desejadamente atenuada, acumulação de dióxido de carbono na atmosfera; assim, o nordeste da América do Norte é potencial beneficiária enquanto o sudoeste da Península Ibérica é potencial penalizada nos cenários de pormenor de alteração climática.
O Protocolo de Quioto surge quando começa a ser largamente percepcionado, mas não assumido nem pelos governos nem pelos quatro actuais grandes grupos petrolíferos (resultantes da fusão das sete "irmãs" dos anos 70), a escassez e o eminente declínio da capacidade de extracção de petróleo, a fonte de energia predominante no último meio século. Existe o evidente propósito de acelerar a introdução do gás natural, pela assumida e boa razão que é relativamente menor emissor de dióxido de carbono que o petróleo, sem alarmar a opinião pública e os investidores, à cerca da insidiosa crise de aprovisionamento de petróleo.
Porém este não é um futuro automaticamente risonho. Enquanto se vai tornando evidente que os recursos de petróleo do planeta serão exauridos até ao último barril, a projecção da quantidade de gás natural necessária para cumprir o respectivo ciclo de vida, por enquanto em franca expansão, excede francamente os seus recursos previsivelmente existentes. Como fez notar Cesare Machetti è AIE em 2000, o consumo de energia das sucessivas fontes de energia primária vai crescendo ao longo do tempo, em consequência do persistente crescimento global do consumo de energia. Assim, o carvão, agora já em franco retrocesso no mercado da energia, deixará de ser explorado muito antes de poder ser esgotado. Com o petróleo observamos o actual constrangimento da capacidade de produção (só atenuado pela presente recessão económica) e vislumbramos a sua exaustão. A presente corrida ao gás natural, acelerada pela escassez (a prazo previsível) dos recursos de petróleo, num quadro de constante crescimento do consumo global (inexorável quando a China e a Índia exibem taxas de crescimento superiores à média mundial), colocará dentro de cerca de vinte anos constrangimentos semelhantes aos agora registados em relação ao petróleo.
Sem dúvida são urgentemente necessárias fontes alternativas de energia. Evidentemente as fontes de energia ambientais renováveis, mais amplamente distribuídas no planeta. Mas é também urgente reconsiderar o futuro da energia nuclear; ainda que as opiniões públicas em alguns países tenham atitude negativa e influência política para que a opção nuclear não prossiga, noutros muitos países, do ocidente ao oriente, a opção nuclear tem condições para avançar. Mas não só novas fontes de energia são solução nem suficientes. Também a utilização mais eficiente das fontes de energia permite a utilização mais eficaz dos recursos e reduzir a intensidade das emissões; ora existem muitas oportunidades tecnológicas comprovadas que merecem mais ampla difusão. Por outro lado, coloca-se agora seriamente na ordem do dia a oportunidade de captação e sequestro do dióxido de carbono em reservatórios naturais, evitando a sua emissão para a atmosfera; para o que existe já a experiência das indústrias petrolífera e petroquímica; mas que carece ser agora objecto de novos desenvolvimentos. De facto muita tecnologia está disponível, mas também muita investigação é necessária, no que respeita ao Clima naturalmente, mas no que respeita à Energia, igualmente. Lamentavelmente, nos últimos quinze anos observou-se um continuado retrocesso do financiamento em Energia no âmbito da AIE/OCDE, tendência que só foi invertida nos últimos três anos e apenas nalguns países mais desenvolvidos. O nível de financiamento neste sector em Portugal decaiu para um nível meramente simbólico.
A União Europeia protagonizou as negociações que levarão à implementação do Protocolo de Quioto. Por outro lado, antes da reunião de Marraquexe, a Comissão das Comunidades Europeias emitiu a Comunicação COM(2001)580, datada de 23 de Outubro, em que propõe um conjunto de medidas, iniciativas e directivas para levar à prática os objectivos do Protocolo. Os interesses económicos e a sua influência política no seio da União são óbvios. Provavelmente, a fuga à arriscada dependência face aos combustíveis fósseis, bem como a criação de condições favoráveis à reconversão das indústrias dos sectores energético, transportes, indústria transformadora e bens de consumo, e ainda a abertura de novas oportunidades de comércio externo, serão as grandes motivações para o empenho político da União Europeia neste processo de Quioto.
Porém, a ausência de esforço significativo em investigação e desenvolvimento permite recear que os interesses em jogo são sobretudo financeiros e comerciais, sem que haja condições para alterações significativas das estruturas materiais que conduzam a mais qualidade de vida com menos custos energéticos e ambientais.
O nosso país não dispõe de política energética nem de um plano energético formalmente articulados há quase vinte anos. A situação não é melhor nos sectores transporte e residencial.
O governo português divulgará esta semana o seu programa nacional para as alterações climáticas. Certamente transporá as orientações elaboradas pelo European Climate Change Programme. Veremos quais as metas sectoriais e quais os mecanismos de contabilização e verificação. E veremos também como as competências científicas e técnicas existentes no país e como os cidadãos em geral (que costumam ser designados por consumidores ou utentes...) serão chamados e terão oportunidade de exercer os seus direitos e deveres.


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