4/01/2007


Globalização e auto-regulação das empresas


Governar a economia global vai manter-se um objectivo distante, a justificar alusões à tirania dos mercados destituídos de qualquer solução alternativa viável enquanto as empresas não tiverem capacidade de auto-regulação a par das capacidades de projecção global.
As empresas multinacionais de certo modo actuam como corsários, deixando uma parte dos ganhos no país em que estão sediadas e guardando o resto para si. Por outro lado, as multinacionais são sociedades anónimas cujos accionistas estão dispersos em todo o mundo. Algumas parecem prosseguir a sua própria política internacional, enquanto outras agem em coordenação com os interesses do país de origem. A manifestação mais clássica desta característica reside na possibilidade de deslocalizarem a produção para outros mercados. Além disso, grandes parcelas do comércio internacional (quase 30%) consistem em trocas entre unidades da mesma empresa multinacional localizada em diferentes países e de comércio entre empresas, e não de comércio entre países.
A razão das oscilações das multinacionais é simples. Embora resulte das decisões descentralizadas de empresas em todo o mundo, a globalização tem uma hierarquia que segue a reputação financeira e a eficácia da luta contra a corrupção.[18] No topo da hierarquia encontram-se os países que significativamente estão no topo dos índices de desenvolvimento humano e dos índices de percepção de transparência e que coincidem com as democracias integradas na OCDE. Abaixo figuram várias periferias, com notações e índices que se vão afastando dos melhores padrões para chegar a valores muito medíocres em África, na ex-União Soviética e noutras partes da Ásia. Aí o investimento internacional só penetra para extrair matérias primas ou explorar baixos salários, desprezam-se princípios de bom governo como a coesão e a maioria nacional e a corrupção impera. A integração na economia global dos novos mercados emergentes (mercados dos países recém-industrializados NIC) está a criar um surto de procura. Mas as populações desses países carecem de incentivos específicos para competir e prosperar. O capital disponível nos mercados mundiais é preferencialmente entregue aos países que oferecerem melhores recursos humanos, melhores infra-estruturas e ambiente mais despoluído, ou seja que permitem um crescimento sustentado, na linha das recomendações da UNCED.
Na mesma linha, as empresas têm adoptado códigos de conduta baseados na ética, como meio de promover um relacionamento transparente entre os intervenientes no mundo dos negócios. A promoção da ética e da transparência estimula o crescimento e desenvolvimento sustentado e reforça a coesão e a solidariedade nacional, bem como potencia o estabelecimento de parcerias duradouras. Normalmente, os códigos de conduta empresarial cobrem as seguintes áreas: relações da empresa com o governo; relações da empresa com a comunidade que a rodeia; relações da empresa com os seus accionistas e empregados; divisão de responsabilidades, no seio da empresa, entre órgãos de administração, gestão, fiscalização e auditoria. Tais códigos de conduta incorporam valores de integridade aplicáveis em qualquer sociedade, sem prejuízo do respeito pela diversidade de culturas, tradições, religiões, usos e costumes existentes. Como tal, têm sido favorecidos por quase todas as organizações internacionais (Nações Unidas, Organização Mundial do Comércio, Banco Mundial, Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, OCDE, etc).[19]
No campo das ajudas nacionais e multilaterais a países em vias de desenvolvimento, tem-se vindo a verificar que é insuficiente exigir dos seus governos que, a troco de ajuda externa, cumpram condicionalismos de democracia e de direitos humanos. Tem-se revelado mais útil canalizar directamente o dinheiro oferecido para organizações não-governamentais e instituições privadas, ligadas a políticas de mercado livre, protecção ambiental e controle de qualidade. Embora denunciada em Estocolmo por um prémio Nobel da literatura português, a globalização ajuda mais ao desenvolvimento das nações pobres do que muitas iniciativas de política de cooperação bilateral, promotoras e de corrupção e de proteccionismo para os poderosos.
Por outro lado, o desemprego nos países ocidentais não resulta directamente de competição com países de terceiro mundo que praticam baixos salários e desrespeitam direitos sociais e económicos do trabalho; resulta, sobretudo da violação dos princípios de bom governo que reduz o potencial de crescimento económico, a competitividade das empresas e a criação de emprego, factores agravados pela instabilidade dos mercados financeiros internacionais. A divergência das economias atrasadas relativamente ao padrão dos países mais avançados agrava-se quando há turbulência nos mercados. Em períodos de calma, qualquer nação, região, cidade ou empresa consegue obter crédito, por vezes até em excesso. Em períodos de crise financeira, a hierarquia da globalização reafirma-se, e sofrem as populações pelos erros dos governos.
Univ. Coimbra Conf.


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